Blog do Inédito

Eu sinto na pele em que habito
19/Ago/20autor: Emerson Dias
Eu sinto na pele em que habito

No dia 13 de agosto de 2020, promovemos na ANEFAC (Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade) o primeiro encontro da série, “Temas que contam”, com a importância da inclusão social no mercado de trabalho

Especificamente, falamos sobre o trabalhador negro e suas dificuldades e, claro, uma delas é o racismo. Por isso, montamos um painel apenas com executivos negros. Não sei se fomos pioneiros nessa composição, mas, até então, eu nunca tinha visto um evento executivo no Brasil onde só existissem profissionais negros.

Confesso que, nos 30 anos da minha carreira, completados em 2020, não consigo lembrar de mais do que 4 eventos dos quais participei em que havia um palestrante ou participante, homem ou mulher, negro no palco. 

Devo dizer, ainda, que são raros os negros em matérias em jornais e revistas destinadas ao público executivo. Analise os jornais diários e as revistas semanais, quinzenais ou mensais, conte quantos negros aparecem nas edições.

Eu fiz isso nos últimos tempos, não achei, e como pode num país onde 56% da população é auto declarada preto ou pardo?

Por isso decidi montar o evento com esta “inovação” e algumas pessoas ainda me disseram: “mas se tiver só negros no palco (virtual) isso não seria racismo ao contrário?”

Pensei, ué, como será que se sentiram os negros nos últimos séculos sem representação? 

No mínimo, vale o exercício da empatia, uma das soft skills mais importantes segundo os pesquisadores das habilidades do futuro.

Sentir verdadeiramente na pele como é ser excluído, é pura pedagogia, porque a exclusão dói. E não é apenas expressão, ela dói mesmo, é uma reação neurológica, nosso cérebro registra a rejeição social numa área específica, portanto, não é “só psicológico”, como se isso já não fosse terrível, tampouco é mimimi

Como diz um meme recente que recebi: “mimimi é a dor que não dói na gente”.

“Para nossa alegria” a revista Veja, edição de 19 de agosto de 2020, exatamente no fim de semana pós nosso evento, trouxe uma matéria intitulada: “Sim, somos racistas”, com dados de pesquisa que mostram a realidade dos números sobre racismo que é estrutural no Brasil.

Alguns destes números foram apresentados por nós no evento, inclusive. Você está preparado para saber quais são?

61% dos entrevistados admitiram que o Brasil é um país racista e 34% dos entrevistados alegaram que não existe racismo no Brasil, ou seja, aproximadamente 1/3 acredita que somos um país em que o artigo 5º da Constituição seja praticado no dia a dia, conforme consta do texto da lei:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”

Mas eu convido você a fazer um teste: pergunte a qualquer pessoa se ela é ou não racista. Ela dirá, muito provavelmente, que não é. Faça o teste com 10 pessoas. Aposto que terá 10 respostas dizendo: “não sou racista”. Faça com 100 pessoas, talvez encontre 1 que estufe o peito para dizer que, sim, é racista, afinal, não é de hoje que a ignorância perdeu a vergonha de se manifestar e agora até se identifica.

Mas, certamente, ninguém dos 10, ou a grande a maioria dos 100, dirá que são racistas, pelo contrário, mas há uma explicação, os psicólogos chamam de “efeito acima da média”.

O efeito acima da média pode ser explicado de forma bem simples. Ao perguntar a 100 profissionais de qualquer área se eles figuram entre os 10 mais competentes de suas áreas, certamente mais de 90% dirá que sim. O que é impossível, já que apenas 10% de fato seriam.

A percepção que temos de nós mesmos tende a ser superestimada. Assim, ninguém diz que é racista, mas se 99% da população diz que não é, como pode o Brasil, que tem a maioria da população auto declarada preta ou parda, ter esses números indicados a seguir?

Só 4,7% dos cargos executivos das 500 maiores empresas do país são preenchidos por pretos e pardos.

Só 2,6% deles são formados em medicina

São só 17% dos senadores

Só 24% dos deputados federais

Só 2,9% dos ministros de Estado desde a redemocratização no país

18% da magistratura, sendo apenas 9% em tribunais superiores

Só 2,5% dos membros da Academia Brasileira de Letras (uma única das quarenta cadeiras)

Somos 9% dos analfabetos do país, mais do que o dobro dos brancos que somam 3,9%

E, frontalmente atacando a intenção do artigo 5º da Constituição, os pretos e pardos são 75% dos mortos em ações policiais e 62% dos presos do país, mas é claro que se você lembrar de todos os presos da operação lava jato, pra ficar apenas nessa operação que envolvia políticos e grandes empresários e executivos, não havia negros.

Será que os pretos e pardos são mais honestos, ou será que é porque crime praticado pelo alto escalão político e executivo não dá tanta cadeia como outros crimes?

Os dados da COVID 19 também mostram a desigualdade, 55% dos negros contra 38% dos brancos vieram a óbito, isso por conta da infraestrutura precária que os negros, por terem menor renda e, portanto, menor condição de moradia estão sujeitos.

Dados de pesquisa mostram que, mesmo negros que tenham conseguido acesso a boas escolas, acabam por ter menor renda que brancos e quando se trata de mulher negra então, o preconceito vem em dobro, pesa a cor e pesa o gênero nesta desigualdade.

Em 2013, quando escrevi meu primeiro livro O inédito viável, narrei um dos fatos que já me aconteceram. Ter um carro “bacana” e usar terno não fez de mim, aos olhos de uma pessoa que representa milhares, um executivo, mas um motorista.

 Por diversas vezes, esperando meu carro na fila do Vallet, fui confundido, por outros clientes, com o prestador de serviço do restaurante e até recebi o canhoto do ticket para buscar o carro de alguém.

Geralmente, quando chego para uma palestra ou participação em evento, não buscam meu nome na lista dos palestrantes, mas sempre dos participantes.

Por isso, eu sinto na pele o racismo estrutural, mesmo quem afirma não ser, acaba sendo na atitude, no julgamento, no olhar.

Sim, é verdade, os vieses cognitivos podem nos levar a erros de julgamento. Cito dois para reverenciar o trabalho de Amós Tversky e Daniel Kahneman (1974): o viés de representatividade e o viés de disponibilidade:

viés de representatividade: as pessoas tendem a avaliar a probabilidade de uma ocorrência tentando compará-la com uma categoria preexistente, por exemplo, empregadores podem se utilizar de estereótipos raciais e étnicos para prever o desempenho do candidato a emprego. Como negros tem em média menor escolarização, há raros casos de negros em posição de liderança nas organizações, o viés assume um papel crucial de julgamento sobre o recrutador.

viés de disponibilidade: aparece quando o indivíduo julga a possibilidade de um acontecimento comparando-o com o que tem na memória e que foi afetada por quão recente seja o evento e por quão vívida tenha sido a experiência, é uma suposição generalizada, baseada na própria experiência de vida. Se a TV só mostra criminalidade em periferias, predominantemente de pessoas negras e pardas, esta imagem fixa na cabeça das pessoas. 

Assim, podemos ser muitas vezes traídos por nossos vieses e dizer que não somos racistas, mas, por outro lado, sermos e tomarmos, sim, atitudes consciente ou inconscientemente racistas.

O governo do Paraná, em 2016, fez uma campanha publicitária, na qual profissionais de Recursos Humanos avaliam fotos de pessoas desconhecidas. Havia negros(as) e brancos (as) executando as mesmas atividades, porém, a mulher branca limpando a cozinha era vista como sendo a dona da casa e, a mulher negra, a empregada. Da mesma forma, o homem negro de terno, era o segurança, motorista. Já o homem branco, executivo. A mulher branca entendida como grafiteira, fazendo arte. O negro, pichador e vândalo.

Isto não é prova viva de viés? Ou simplificando, de racismo?

Sob o meu ponto de vista, o racismo é sempre uma ignorância, resta saber se involuntária ou voluntária. A involuntária é o domínio do viés sem passar pela consciência que, claro, imediatamente cabe o pedido de desculpas, faz parte do processo educacional civilizatório.

Já a voluntária é aquela onde sabendo, não se pratica. Já que o conhecimento é diferente de comportamento, conhecer e não praticar é a própria ignorância voluntária.

Cabe a quem quer ser verdadeiramente educado, verdadeiramente intencionado, caminhar rumo à verdadeira civilização e aprender a dominar atitudes. Afinal, “a civilização é mais e mais uma corrida entre a educação e a catástrofe” sentenciou H. G. Wells.

Aristóteles, em Ética a Nicômaco, livro escrito para seu próprio filho, afirma que: “é mais fácil mudar um hábito do que alterar a nossa natureza; e o próprio hábito muda dificilmente porque se assemelha à natureza”. 

Por isso, eu sei que é difícil, mas é necessário mudar. Ninguém nasce racista, isso não é da natureza humana, isso foi aprendido, portanto, é da condição humana e, se é condição, pode-se mudar.

A depender do “ritmo natural”, essa realidade não vai se alterar, por isso é preciso fazer, é preciso intensificar campanhas de afirmação e as pessoas precisam falar cada vez mais. O tema esta ai, ao nosso redor, mas nem sempre esteve no nosso radar! Precisamos de uma militância prospectiva! que não deixe ele escapar do radar da sociedade.

É como o sermão de natal, de páscoa ou outra data religiosa, é sempre igual, mas precisa ser dita sempre, é a forma de manter na consciência para alterar o hábito.

A sociedade, as empresas e as instituições não podem mais fechar os olhos para isso. Não existe mais desculpas, não é mais por falta de números, de conhecimento científico, nada, agora é pura vontade!

Nietzsche, no texto, Além do bem e do mal (1886) dizia que “quando todo mundo é igual, ninguém precisa de direitos”, e o artigo 3º da Constituição Federal Brasileira afirma que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Será que o mundo (inclusive corporativo) tem sido justo e solidário com a população negra, somos verdadeiramente livres?

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